Como deve funcionar o scouting na formação?
Algumas ideias a reter no recrutamento mais jovem
Gostaria de começar por aquilo que considero ser opinião pública: fazer scouting é fácil. Para o adepto comum, a observação resume-se a ir ver uns jogos e indicar quem “joga bem”. Como tal, qualquer pessoa que perceba minimamente de futebol consegue trabalhar como observador, e por esse motivo é algo sem grande relevância. Não poderia ser mais errado.
O scouting de formação é bastante específico e diferente do scouting nos séniores, porque enquanto que na formação procuramos, normalmente, o potencial, nos séniores já se quer o rendimento imediato. Quer então dizer que se um jogador for bom enquanto jovem, vai resultar quando chegar à equipa A? Não, porque o jovem atleta pode simplesmente ter crescido mais cedo que os outros e, por isso, ter mais impacto numa determinada idade, mas que depois se perde com o tempo.
Posto isto, o scouting de formação pode apostar em duas vias, obviamente seguindo as diretrizes do clube sobre aquilo que procura para o seu modelo formativo. Sobre isso, escrevi um outro artigo, que podem ler aqui. Essas duas vias são as seguintes:
a) Procurar recrutar jogadores de rendimento, porque o objetivo do clube é chegar às principais divisões, e por esse motivo necessita daqueles que têm impacto no imediato, ignorando o seu potencial futuro;
b) Apostar em jogadores de margem, que podem não ter impacto imediato por vários fatores (baixa estatura e estrutura física, por exemplo), mas que indicam que podem dar o salto e serem jogadores que futuramente poderão ingressar no plantel sénior.
É verdade que um plantel não vai ser composto apenas por atletas de potencial, e há clubes que até optam por ter alguns jogadores de rendimento no plantel, para “proteger” os jovens de potencial, que ainda têm algumas dificuldades no seu escalão, mas que desta forma têm colegas que os suportam nas competições.
Há algum desconhecimento sobre o que é o jogador de potencial, decisivo no recrutamento no futebol de formação, e por isso é necessário reconhecer a importância de quem, de facto, passa todos os fins de semana no terreno, acompanhando inúmeras equipas de diferentes escalões e contextos, independentemente das condições climatéricas.
Considero que ainda há um grande desconhecimento da esmagadora maioria dos clubes acerca da importância do olheiro. A política de contratações, geralmente, assenta nos conhecimentos do treinador do escalão, que contacta os pais dos jogadores que conhece, simplesmente porque jogou contra eles. Isso faz com que o número de jogadores que são do seu conhecimento seja residual, uma vez que há mais clubes e divisões do que aquelas contra quem a sua equipa jogou, ou seja, possui um conhecimento local dos atletas existentes. Há vários casos de atletas que até jogam em divisões abaixo, e que têm condições para elevar o seu patamar competitivo. O olheiro, por passar o seu fim de semana a ver jogos, passa a ter um conhecimento mais amplo, normalmente a nível distrital, da qualidade dos atletas de cada geração (ano de nascimento) e, deste modo, consegue dar um contributo superior na elaboração dos plantéis das diferentes equipas do clube.
Ainda que se julgue que o scouting está num bom nível, a verdade é que há ainda um desconhecimento profundo de como se deve estruturar o scouting na formação, e não é visto pela esmagadora maioria dos clubes como algo sequer necessário, mas sim como uma despesa. Os clubes preferem, em vez de terem equipas sombra para cada escalão elaboradas pelo departamento de scouting, viver dos contactos que possíveis treinadores possam ter, chegando-se, por vezes, ao cúmulo de treinador X ser contratado porque se sabe que levará consigo Y jogadores consigo.
É necessário começar a haver uma valorização e procura em se perceber como deve funcionar, de facto, o scouting no futebol de formação. O passo deve ser dado pelos clubes, mas os próprios olheiros devem também tentar passar a mensagem da importância aos clubes, com bons projetos de recrutamento e da sua importância para um melhor desenvolvimento dos seus jovens atletas. Há ainda muito por fazer. E ficariam todos a ganhar.