"Cada jogo tem a sua história, e contar essa história da melhor forma possível é importantíssimo para respeitar cada jogo."
Entrevista a João Lotra, um dos narradores do Canal 11
João Lotra desde cedo que soube que queria estar ligado ao jornalismo, e teve sempre no futebol a sua paixão. Depois de uma passagem pela Sporting TV, chegou ao Canal 11, onde o podemos ouvir a relatar vários jogos
Quando eras pequeno, o que ambicionavas ser quando crescesses?
Desde muito cedo, comunicar foi algo natural para mim. Tinha o hábito de criar as minhas próprias notícias e lia-as para os meus pais, quase como se estivesse a apresentar um telejornal. Sempre gostei de contar histórias e de partilhar aquilo que me entusiasmava. O futebol foi sempre uma paixão presente na minha vida, e, à medida que fui crescendo, percebi que queria estar ligado a ele de alguma forma. No entanto, naquela altura, ainda não sabia exatamente como. A ideia de trabalhar na comunicação desportiva foi surgindo gradualmente, à medida que fui explorando diferentes formatos e compreendendo que era ali que me sentia mais confortável e realizado.
A leitura de jornais fez parte da tua infância? De que forma influenciou o teu crescimento?
Sim, sempre tive o hábito de ler jornais desportivos e de acompanhar o futebol através da imprensa. Desde pequeno que gostava de estar informado, de perceber as histórias para além do jogo em si e de acompanhar os bastidores do desporto. Isso ajudou-me a desenvolver uma forma mais estruturada de pensar sobre futebol e a perceber como a informação podia ser organizada e transmitida. Hoje, quando me preparo para um jogo, percebo o impacto que esse hábito teve em mim, porque é precisamente esse trabalho de recolha e organização de dados que me permite construir uma narração mais rica e contextualizada.
Quando chegaste à idade de entrar na faculdade, que curso escolheste?
Na licenciatura, optei por Ciência Política, depois segui para uma pós-graduação em Jornalismo e, mais tarde, fiz um mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação, tudo no ISCTE. Sempre tive interesse na forma como a comunicação influencia a sociedade e como a informação é gerida. Embora não tenha escolhido um percurso exclusivamente focado no desporto desde o início, estas formações deram-me ferramentas fundamentais para compreender melhor como construir narrativas, como estruturar discursos e como tornar a minha comunicação mais eficaz. A comunicação no desporto não é apenas sobre descrever jogadas; é também sobre saber enquadrar as histórias e transmitir a informação da forma mais cativante possível.
Desde sempre soubeste que querias estar ligado à imprensa desportiva?
Não foi algo que decidi de forma imediata, mas sempre soube que queria trabalhar com comunicação e que o desporto era uma paixão inegociável. Ao longo dos anos, fui explorando diferentes possibilidades dentro da comunicação, como a rádio (na Cidade_Fm) e, à medida que fui experimentando, a narração foi-se tornando uma opção cada vez mais clara. A adrenalina de narrar um jogo em direto, de transmitir emoções e de fazer com que o público viva o momento através das palavras tornou-se algo viciante para mim. A certa altura, percebi que era mesmo aqui que queria estar.
Que experiências profissionais tiveste antes de entrar na narração?
Antes de começar na narração, tive algumas experiências dentro da comunicação que me ajudaram a perceber melhor o meio. Trabalhei no Flashscore, onde comecei a ganhar ritmo na narração. Foi uma primeira aproximação ao mundo do futebol enquanto profissional e ajudou-me a desenvolver um olhar mais atento para os pormenores do jogo. Além disso, trabalhei durante uma semana num quiosque, e foi precisamente nesse período que recebi o telefonema que me levou ao Canal 11. Olhando para trás, percebo como cada experiência foi útil para o que faço hoje, mesmo que, na altura, nem sempre tivesse essa noção.
Tiveste aulas de colocação de voz ou de outro tipo para te ajudar a desenvolver a parte da narração de um jogo de futebol?
Nunca tive aulas de colocação de voz específicas para narração, mas tive aulas de canto quando era adolescente, porque sempre gostei de cantar. Embora o objetivo na altura não fosse profissional, essas aulas deram-me algumas bases que hoje acabam por ser bastante úteis. Aprendi a ter mais consciência da minha voz, a cuidar melhor dela e a perceber a importância do aquecimento vocal e da respiração. Tudo isso faz diferença na forma como encaro a narração, porque falar durante 90 minutos num jogo exige resistência vocal e controlo. Essas pequenas rotinas que aprendi no canto acabaram por se tornar parte dos meus hábitos antes e depois de narrar um jogo.
Como surgiu a oportunidade de entrares na Sporting TV?
A Sporting TV surgiu depois da minha primeira experiência no Flashscore. Foi um período relativamente curto, mas muito importante. Fiz quatro narrações, distribuídas entre a equipa A masculina, a equipa feminina e as camadas jovens. Não tive outras funções dentro do canal além da narração, mas foi uma oportunidade de ganhar mais experiência e de perceber como funcionava uma transmissão televisiva. Pouco tempo depois, surgiu o convite para o Canal 11, que acabou por se tornar o meu principal projeto.
Que funções tinhas na Sporting TV?
Na Sporting TV, a minha função era exclusivamente narrar jogos. Não fazia parte de outros conteúdos do canal nem tinha qualquer envolvimento em produção ou comentário. Era um trabalho focado apenas na narração dos jogos que me eram atribuídos.
E depois surgiu o Canal 11… como aconteceu?
O Canal 11 surgiu pouco depois de ter começado na Sporting TV. Na altura, estava a trabalhar num quiosque onde fazia a minha semana de trabalho normal, quando recebi um telefonema do Pedro Sousa, que tinha visto um email que mandei a oferecer-me para trabalhar. Esse foi um momento marcante, porque representava uma oportunidade incrível de entrar num projeto inovador e com uma abordagem diferente à comunicação desportiva em Portugal. O Canal 11 deu-me a possibilidade de crescer como narrador e de trabalhar com um tipo de conteúdos que me entusiasmavam bastante. O momento da proposta foi modificador para mim, porque era algo que ambicionava há muito tempo e, felizmente, tem corrido bem.
No Canal 11, com que antecedência sabes que jogo vais narrar?
Isso varia de semana para semana, mas, regra geral, fico a saber com alguma antecedência para poder fazer a preparação adequada. Essa margem de tempo é importante para recolher as informações mais relevantes, organizar os meus apontamentos e garantir que entro na transmissão com toda a preparação necessária. Cada jogo tem a sua história, e contar essa história da melhor forma possível é importantíssimo para respeitar cada jogo.
Como fazes a tua preparação para os jogos?
A preparação começa sempre com a recolha de informação sobre as equipas, os jogadores e o contexto da partida. Analiso estatísticas, acompanho notícias e procuro histórias que possam acrescentar valor à transmissão. Tento encontrar curiosidades e dados que ajudem a enriquecer a experiência de quem está a ver o jogo. Para mim, é fundamental que cada narração tenha identidade e que não seja apenas uma repetição de estatísticas frias. Devem ser bem integradas. Tenho os meus cadernos onde tenho todas as informações sobre os jogadores, para que, em caso de voltar a fazer um jogo de uma determinada equipa, a preparação seja facilitada.
Tens campeonatos preferidos de comentar? Porquê esse campeonato?
Gosto de narrar competições onde sinto que posso trazer algo de novo. As Taças Distritais, por exemplo, são especiais porque permitem dar visibilidade a jogadores que nem sempre têm os seus jogos transmitidos. A Liga 3 também me entusiasma muito, assim como a NWSL (Liga Feminina dos EUA) porque acompanho jogadoras portuguesas e o nível competitivo é bastante alto. Não posso esquecer também o Brasileirão, porque tem uma intensidade única e um ambiente que torna cada jogo imprevisível e único.
Quando o jogo chega a intervalo e a publicidade vai para o ar, o que aproveitas para fazer?
O intervalo é um momento para reorganizar ideias e preparar a segunda parte. Normalmente, aproveito para hidratar-me, trocar impressões com o comentador sobre o que aconteceu até ali e rever estatísticas importantes. Tento sempre encontrar ângulos interessantes para abordar no regresso da transmissão. E muitas vezes aproveito para meter a conversa com os colegas em dia, porque não deixa de ser um momento de pausa e para recarregar baterias.
Quais são os teus projetos para o futuro?
Quero continuar a evoluir como narrador e explorar novas áreas dentro da comunicação desportiva. Tenho interesse em trabalhar em desenvolver outros formatos, como podcasts e conteúdos digitais, e por isso já comecei também a trabalhar as redes sociais para que as pessoas percebam o outro lado da narração (e tem sido no TIKTOK que me tenho focado). O objetivo é continuar a contar histórias de forma envolvente e inovadora, seja através da narração ou de novos projetos ligados ao futebol. E claro, estou sempre aberto a outras oportunidades que, não reconhecendo agora, possam ser interessantes para aquilo que amo fazer.